Reforma Tributária: algumas arestas que precisam ser aparadas

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No início do mês, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos de votação, a Proposta de Emenda à Constituição nº 45/2019, apresentada pelo Deputado Federal Baleia Rossi. Agora, a PEC segue para apreciação no Senado Federal.

Essa aprovação representa uma resposta aguardada pelo empresariado brasileiro, que há décadas busca uma reforma tributária que, para além da redução de carga, também simplifique o nosso sistema. Por mais que a redução de carga nos pareça, por ora, pouco provável diante do atual cenário de gastos públicos, a PEC promete simplificar e modernizar o nosso sistema de tributação, eliminando burocracias e contencioso.

Não podemos negar, desde já, que existem pontas soltas e arestas a serem aparadas na atual redação aprovada pela Câmara dos Deputados.

Em síntese, a PEC propõe a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União e de um Imposto Seletivo (IS). Esses tributos substituirão o ICMS, ISS, PIS, Cofins e o IPI.

Dentre as melhorias propostas, vale mencionar a base ampla de incidência do IBS e da CBS, cálculos por fora (não integrando suas próprias bases de cálculo ou as de outros tributos), alíquotas uniformes e a possibilidade de apropriação de créditos equivalentes aos tributos cobrados na etapa anterior. Importações serão tributadas, mas não haverá incidência sobre exportações, assegurada a manutenção dos créditos para os exportadores.

Além disso, a PEC prevê a criação do Imposto Seletivo (IS), que recairá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Essa medida visa desestimular o consumo de produtos como cigarros e bebidas alcoólicas, sob uma perspectiva extrafiscal.

Apesar dos avanços, a redação aprovada ainda levanta algumas dúvidas e abre espaço para futuras discussões entre o Fisco e os contribuintes. Vejamos alguns exemplos.

Com relação ao IBS e à CBS, a base ampla de incidência certamente resolve conflitos de competência entre ISS, ICMS e IPI enfrentados atualmente pelos contribuintes, tal como ocorre nos casos de industrialização por encomenda. No entanto, é essencial que o legislador delimite com cautela a amplitude das operações a serem abrangidas por esses tributos, a fim de evitar a tributação de operações não tributadas atualmente, como remessas bonificadas.

Sem dúvida, as alíquotas uniformes eliminam discussões referentes à classificação fiscal adotada pelas empresas. Pouco importa se é o bombom ou o waffer, perfume ou água de colônia, sorvete ou sobremesa à base de bebida láctea, a alíquota do IBS e da CBS será a mesma. Agora, não podemos negar que a flexibilidade concedida aos entes federados para estabelecer alíquotas próprias possibilita a criação de mais de 5.500 alíquotas distintas.

Quanto à não cumulatividade, o texto aparentemente soluciona o conflito entre o Fisco e os contribuintes em relação à possibilidade de apropriação de créditos, como os créditos de PIS e Cofins sobre insumos. No entanto, a PEC prevê que lei complementar poderá estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará vinculado ao recolhimento do tributo na etapa anterior. Cabe aqui questionar: quais serão essas hipóteses?

Considerando que ambos os tributos terão legislação única, o contribuinte não terá mais a necessidade de conhecer inúmeras legislações. Esperamos que uma única lei complementar institua e regulamente o IBS e a CBS, a fim de evitar divergências entre a União e os demais entes sobre tributos com características essencialmente equivalentes.

Também traz certa preocupação a competência do Conselho Federativo do IBS para coordenar a atuação integrada dos entes federados na fiscalização, no lançamento, na cobrança e na representação administrativa ou judicial do imposto. Como o texto aprovado possibilita que o contribuinte seja fiscalizado simultaneamente pela União e pelos demais entes, conclusões diferentes em cada esfera podem gerar, além de insegurança jurídica, mais burocracia e contencioso.

Não poderíamos deixar de mencionar a redação ampla utilizada na PEC ao tratar das hipóteses de incidência do IS: bens e serviços prejudiciais a saúda ou ao meio ambiente. Quais critérios serão adotados para definir o que é prejudicial à saúde ou ao meio ambiente? E mais, não estaríamos à mercê de que uma futura composição do Congresso eventualmente aproveite essa porta entreaberta para, com anseio arrecadatório, desvirtuar a finalidade buscada pelo legislador neste momento?

Falando em anseio arrecadatório, a PEC prevê a possibilidade de serem instituídos regimes diferenciados de tributação, desde que as alíquotas de referência sejam ajustadas com vistas a reequilibrar a arrecadação da esfera federativa. Em outras palavras, a concessão de regimes diferenciados exigirá maior arrecadação com as demais operações.

Por fim, a PEC não prevê qual será o tratamento atribuído aos saldos credores acumulados de PIS, Cofins e IPI, o que não ocorre com os créditos acumulados de ICMS, que possuem regras específicas no texto aprovado. Seria interessante que o Senado Federal ajustasse a redação da proposta para garantir maior segurança jurídica aos contribuintes.

Essas situações, e outras tantas que sequer foram aqui mencionadas, a nosso ver, podem gerar complexidade aos contribuintes e comprometer a simplicidade pretendida pela reforma tributária.

Diante disso, esperamos que o Senado Federal perceba a importância de contornar, enquanto há tempo, questões que vão de encontro com o objetivo esperado neste momento: a simplificação e modernização do sistema.

Com o avanço da proposta de reforma tributária no Congresso Nacional, recomendamos que as empresas iniciem a análise dos seus impactos e a elaboração de planejamento para o novo modelo tributário. Os efeitos da reforma tributária irão variar a depender da área, estrutura e segmento de negócio, alguns, inclusive, podendo ter aumento significativo da carga tributária (como é previsto para o setor de serviços).

Frederico Pereira Rodrigues da Cunha

Sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados

Juliana Fontoura de Almeida

Advogada do escritório Gaia Silva Gaede Advogados

Rayan Felipe Sartori

Advogado do escritório Gaia Silva Gaede Advogados

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